O céu noturno e o sistema de satélites “Starlink”
O chamado “Starlink” é um projeto de desenvolvimento de “constelações de satélites” em andamento pela empresa americana SpaceX do empresário Elon Musk. Seu projeto é desenvolver uma plataforma de satélites de baixo custo e alto desempenho para implementação de um novo sistema de comunicação baseado na internet.
O termo “constelação de satélites” é usado para definir um grupo de satélites similares que orbitam a Terra de forma sincronizada e trabalhando de uma forma orquestrada para atingir um objetivo comum.
Elon Musk pretende lançar 60 novos satélites a cada duas semanas nos próximos anos. O plano ambicioso é construir uma “constelação” gigante de 42 mil satélites (número estimado pela SpaceX).
Existe um grande número de “constelações de satélites” atendendo necessidades específicas de cada missão em particular. Um bom exemplo, é o sistema de posicionamento global, mais conhecido pela sigla GPS, que é um sistema de navegação por satélites que fornece a posição geográfica, sob quaisquer condições atmosféricas, a qualquer momento e em qualquer lugar no planeta Terra. Para isto, é necessário que o receptor se encontre no campo de visão de pelo menos três satélites GPS (quatro ou mais para uma precisão mais exata). Existem outros sistemas deste tipo como o russo Glonass, o europeu Galileo e também um chinês, o Beidou.
Esses satélites “star link” estão chamando atenção, pois a cada lançamento de um grupo de 60 deles, formam no céu uma espécie de cordão ou trenzinho de luzes visíveis a olho nu por algumas noites juntos. De início estão em orbitas numa altitude de 440 km, mas depois passam a 550 km e se tornam mais difíceis de serem observados a olho nu além de se separarem em distancias maiores também.
Enquanto outras constelações de satélites possuem um número abaixo de 100 unidades, o Starlink chama atenção também devido a grande quantidade de satélites que serão colocados em orbita da Terra, estimam-se em 12.000 a 42.000 unidades. Pra iniciar as operações, estima-se ser necessário um mínimo de 1.584 unidades.
Se realmente confirmar a colocação de 42.000 satélites em orbita terrestre, será algo inimaginável. Para se ter uma ideia, a olho nu podemos observar cerca de 8.500 estrelas!
O debate atual é se e como o Star Link poderá afetar o céu noturno como patrimônio natural e também afetar pesquisas astronômicas, principalmente nas áreas de astrofotografia e radioastronomia, pois estes satélites operam em frequências que poderão interferir em pesquisas com radiotelescópios.
Seguem depoimentos e opiniões de alguns profissionais:
Irineu Gomes Varella (Astrônomo e Ex Diretor da Escola Municipal de Astrofísica de São Paulo):
“… O projeto da Space X prevê o lançamento de muito mais satélites. A finalidade básica é a ampliação da rede de comunicação via Internet. É preocupante o aumento da quantidade de satélites (estima-se que no total serão 1.584) e sua interferência na radioastronomia, embora a radioastronomia tenha seus canais próprios de frequência que até o presente não sofreu interferência de outros satélites. No entanto, parece que a astronomia, a radioastronomia e a astrofotografia terão que se planejar para conviver com a nova “constelação”: a dos satélites…”.
Rafael Defavari (Engenheiro do Laboratório Nacional de Luz Sincrotron Campinas SP e Astrofotógrafo):
“… O projeto é muito interessante, mas o Elon Musk (Space X) poderia ter conversado mais com especialistas de todas as áreas ligadas à astronomia para poder melhor desenvolver seu projeto Star Link… Com certeza haverá interferências em pesquisas e muitos Laboratórios e grandes observatórios investem alto em pesquisas que poderão ser prejudicadas com o Star Link de alguma forma…”.
Rogério Marcon (Geólogo Unicamp Campinas/SP):
“… Eles vão se tornar um problema realmente, pois o brilho é intenso e serão 12 mil. Os astrônomos perderão as primeiras e ultimas horas da noite, quando o sol iluminará os satélites. Quando eles estiverem na sombra da Terra não serão visíveis. Foi pensada uma solução para isso pintando os satélites com um material preto altamente absorvedor. O problema maior será para os radioastronomos pois estes satélites emitem e retransmitem sinais de rádio. Eu acho que a União Astronômica Internacional deveria intervir para bloquear este projeto pois muitos observatórios grandes e caros estão sendo construídos. Um outro aspecto é o patrimônio natural a ser preservado. O céu noturno deveria ser preservado com o mesmo afinco que as florestas e ecossistemas ameaçados…”.
Antônio Cesar Negreiros (Psicólogo e Astrofotógrafo):
“… Os céus estão sendo invadidos! Não bastasse a poluição luminosa das grandes cidades e o vai e vem das aeronaves, agora temos uma frota de satélites circulando o planeta à baixa altitude. Com o lançamento planejado de cerca de 12.000 satélites até meados de 2.020, muitos astrofotógrafos temem o pior. A astrofotografia estaria condenada? Teríamos que nos contentar em ter longos traços cruzando as nossas fotos noturnas? Procuro ainda ser otimista e responder que não. Em primeiro lugar, os satélites da frota Starlink estão ganhando altitude e dentro de pouco tempo estarão menos visíveis. Segundo, esses objetos são previsíveis e, com algum planejamento, é possível conhecer antecipadamente o horário e local da passagem de vários deles. Para isso pode-se consultar o utilíssimo site https://www.heavens-above.com/ Com os aviões e aeronaves não temos essa opção. Essa é uma nova realidade com a qual teremos que nos acostumar. Acredito que os céus estarão cada vez mais congestionados, mas nada que um bom planejamento não possa contornar…”.
Paulo Gomes Varella (Observatório Céu Austral):
“… Nada é 100% bom ou 100% mau. A proposta de internet de banda larga mundial é importante mas, certamente, terá seus efeitos colaterais. Com o quadro atual, há prejuízo nas observações próximas dos crepúsculos. Entretanto, haverá necessidade de uma rigorosa regulamentação para a instalação total da constelação de satélites e os órgãos astronômicos de pesquisa e difusão deverão ser ouvidos no processo…”.